🔗 A perda é uma experiência desorganizadora.

E, como povo, como gaúchos, todos perdemos - de uma forma ou de outra.


A perda da casa, do meu espaço físico de referência.
A perda dos bens, das minhas “coisinhas”.
A perda da história, das fotos, das lembranças.
A perda da segurança, da previsibilidade, da minha rotina.
A perda da programação, dos planos, dos meus projetos.
A perda da estrutura, das estradas, das pontes, dos hospitais, das escolas.
A perda financeira, da estabilidade, de possibilidades.

De alguma forma, todos perdemos.

E, com essas perdas, vem a desorganização: da rotina, do espaço físico, dos sentimentos, pensamentos, raciocínio. 

No meio dessas perdas (que são tão íntimas e pessoais para cada um) e dessa desorganização (igualmente pessoal), nos deparamos com novas demandas:

- habilidades de comunicação para um momento de catástrofe;

- habilidades de acolhimento e empatia;

- capacidade de ajudar e saber os nossos limites para essa ajuda;

- necessidade de autocuidado;

- resiliência para continuar;

- lidar com a culpa (de não ter sido afetado, de voltar ao trabalho, de continuar com a vida);

Tantas novas questões, tantos problemas para resolver, tanto a se fazer e apenas uma certeza: ninguém estava preparado.

Frente a tantos desafios, pesquisando e estudando o tema, consegue unir uma série de boas práticas que pessoas comuns – como eu e você – podemos adotar para fazermos a nossa parte e impactarmos de maneira positiva as pessoas e o nosso o contexto:

1. Praticar a escuta: parece simples, eu sei, mas exige consciência e esforço.

Ouvir, permitindo que a pessoa sofra a sua dor (sem julgamentos).

Ouvir sem interromper.

Ouvir sem querer trazer uma solução (se não foi solicitada).

Ouvir sem excesso de curiosidade, sem pedir detalhes (permitir que o outro expresse tudo e apenas aquilo que ele quiser).

2. Evitar a positividade tóxica: por não conseguirmos lidar com a nossa própria impotência frente à situação, corremos o risco de tentar minimizar o sofrimento do outro.

Evitar frases como: “Vai passar”, “Tudo vai ficar bem”, “Foram apenas perdas materiais”, “Pelo menos estão todos com saúde”.

Se você me permite, vou compartilhar a minha forma de responder a essas situações: 

“Eu ouvi o que você disse. Eu acolho a tua tristeza / sofrimento / frustração, e eu estou aqui caso você acredite que possa ajudar de alguma forma”.

3. Reforçar a adesão às recomendações técnicas: a pessoa pode se sentir abandonada pelo sistema que deveria tê-la protegido, então pode ter ativado um mecanismo de negação e resistência.

No entanto, seguir orientações oficiais são extremamente importantes:

- dos órgão de saúde (buscar atendimento médico, se vacinar);

- das polícias, por exemplo, da PRF sobre riscos de deslizamentos em estradas;

- da gestão pública sobre cadastros para acesso a benefícios;

- da Defesa Civil, sobre orientações de evacuação em novos episódios de risco.

4. Paciência: cada pessoa responde a situações traumáticas da sua forma e no seu tempo.

Ter paciência com quem precisa ver e comentar notícias sobre os acontecimentos.

Ter paciência com alguém da família que demonstra uma profunda tristeza por longos períodos.

Ter paciência com um colega de trabalho que não tem conseguido se concentrar.

Ter paciência com que demonstra uma atitude pessimista.

5. Quebra de padrões negativos e/ou agressivos: uma das possíveis respostas a este contexto traumático é a agressividade, violência ou revolta.

Entender que a reação do outro não é algo pessoal pode te ajudar a não se tornar reativo.

É comum que algumas pessoas demonstrem agressividade e revolta ao sistema político, econômico, social. Estamos todos lidando com nossos sentimentos e pensamentos. Evitar o embate, neste momento, é uma escolha prudente.

6. Continuar: ter resiliência para voltar à rotina de trabalho, academia, estudos, lazer, pode parecer insensível neste momento, eu sei, eu já senti culpa por isso. Mas, quem pode, precisa se manter em pé para dar a mão e ajudar quem precisa levantar.

É importante manter a ajuda na medida da possibilidade de cada um (doações, financeira, voluntariado, fazendo conexões, divulgando informações úteis, etc.). Mas é igualmente importante investir no seu autocuidado e, dentro do possível, fazer a roda girar: trabalhando, produzindo, consumindo.

7. Se instalar na realidade: ouvi de muitas pessoas a frase “Eu só queria aquela vida de volta”. Eu entendo e acolho este sentimento, de verdade  - mas nenhum gaúcho terá a mesma vida novamente. E, posso ser sincera? É melhor que não a queiramos. Ter a mesma vida de antes significaria aceitarmos os riscos de vivermos toda essa experiência traumática novamente  - jamais!

Precisamos acolher nosso sofrimento e nossas perdas (enquanto sociedade), reconhecer nossos erros, identificar oportunidades e mudar absolutamente tudo aquilo em nossas vidas que possa contribuir para a nossa recuperação (física, psicológica, emocional, econômica) e, principalmente, para o nosso desenvolvimento e progresso.

Precisamos nos organizar depois de tantas perdas.

Não queiramos a mesma vida. Queiramos uma vida melhor.